sexta-feira, dezembro 28, 2007

Despedida

O feriado de ano-novo é o responsável pela antecipação desta postagem. Agora, só retornamos em 2008; com algum devaneio do Fábio.


Ventre pródigo

Os judeus, os católicos, os evangélicos, os luteranos, os muçulmanos
mataram
Os comunistas, os capitalistas, os nazistas, os fascistas, os democratas, os socialistas
mataram
Os getulistas, os leninistas, os stalinistas
mataram
Os empresários, os jornalistas, os advogados, os médicos
mataram

E a natureza
- ventre pródigo -
persiste na ação venturosa de seu
milagroso e cíclico
renascer.

(Poema inspirado na revolta que o Ezio investiu contra os valores católicos em pleno dia de natal)

Guilherme

quarta-feira, dezembro 26, 2007

O Carregador de Piano

“Não consigo ter vergonha de quem eu sou. Eu sou assim. O mundo que se adapte. Tanta gente por aí morre de tesão pelo buraco por onde se caga, outros milhões só pensam nas tetas por onde se mama, por que cargas d'água eu deveria ter vergonha de sentir tesão pelos pés que pisam? Ora, só me faltava essa agora.”
Alex Castro - LLL

__________________

Ele não se considera um podólotra. Longe. Admite com receio comedido valorizar os traços bem delineados dos membros inferiores femininos. Os que merecem, claro. Em seu entendimento, os pés são a base do todo: De nada adianta cabelos arrumados por horas no instituto, barriguinha malhada em meses de academia, seios robustos e firmes, depois de dezenas de emeéles de silicone, se os pés não estiverem em sintonia com o conjunto. Eles são os responsáveis em transformar mulheres bonitas, em mulheres excepcionais. Ou, repentinamente, jogá-las na vala comum. Muitos não observam a beleza e importância dos pés, assim como, deixam despercebidos os carregadores que levam os pianos até o ponto de destaque no palco, preparado para o grande Concerto. Tolos.

Dia desses, reparei-o confidenciando ao espelho. “Hoje! Isso mesmo. Hoje ela estava de sandália. Não dessas comuns. Uma de solado baixo, com fiozinhos prateados, deixando os dedinhos a mostra: Os cinco. Tentava tirar o olho, mas não conseguia. Era mais forte que eu. O indicador pouco a frente liderando a turma. Os da direita, seguindo perfilados em rumo decrescente. Já o dedão em posição confortável, ameaçava subidinhas animadas, provavelmente sem intenção. O dorso, bronzeado, apresentava curvas tênues e tenras, com uma suavidade semelhante ao leite deslizando no copo, quando servido pela vó numa alvorada de segunda-feira. E eu? Me aproximei dela. Puxei um assunto irrelevante e quando vi estava a tocar no seu indicador, que parecia banhar-se em águas glaciais. O segundo pododáctilo apesar de gélido causava-me uma inquietação que poderia descrever em dezenas de palavras, mas, com certeza, não relacionaria em hipótese nenhuma com frio. Memorável.”

Acho que ficou surpreso com tamanha beleza. Tá certo que não os viu calçando um salto agulha que ressaltaria ao extremo o bumbum arredondado com perfeição, instigando a libido de todos que a rodeiam. Tudo bem. Mas nada vai diminuir a soberba dele, ao explanar solenemente o argumento de que: “O que vale mesmo é o potencial do Carregador de Piano.”


Fabio

domingo, dezembro 23, 2007

Atualização

  • Na última quarta-feira, o Tisserand ficou sem atualização. No entanto, amanhã voltará ao normal com um texto do Guilherme.

A seguir, um vídeo do Chico Buarque, desmentindo a teoria do Marcelinho sobre a música Jorge Maravilha. (em relação a filha do Geisel).



segunda-feira, dezembro 17, 2007

O verde dos coqueiros

O sol está sumindo aos poucos. Queria segurá-lo no céu por mais uns minutos. Agora o calor já passou. Agora a praia começa a ficar deserta. Não há postes de luz, farol somente a quilômetros da costa. A areia, as falésias estão alaranjadas; como se passassem o dia trabalhando ao sol e exibissem o olhar cansado e a pele moura na mesa de jantar. É hora da praia beber a água lenta e salgada que molha tímida sua roupa de pó esbranquiçado.

O domingo à tardinha é revestido de melancolia. Funciona como uma iminência de morte. Todas as passagens agradáveis vivenciadas a partir de sexta à noite tomarão outra tonalidade já no alvorecer de segunda. No purgatório, até as melhores lembranças ficam acinzentadas. Mesmo para aqueles que acreditam em deus, resta apenas o purgatório, a penitência do convívio forçado, da subordinação, do animal enjaulado num terno e gravata. Caso o animal aniquile o terno e a gravata e o convívio forçado, a jaula torna-se matéria física e ele é descartado do jogo.

O crepúsculo dominical só perde em dramaticidade para o domingo à noite. Ao encostar a cabeça no travesseiro, é sabido que o ar amanhã de manhã não será mais o mesmo. Voltará carregado pela fuligem da rotina, do horário a cumprir, das reprovações que são maiores que as aprovações.

Enquanto o tempo, animal abstrato, invenção inexorável da qual jamais conseguiremos nos libertar, não consome os últimos raios deste domingo, me deleito com a brisa corada por eles, com a canção que as ondas diminutas imprimem.

Não saio derrotado. No domingo que vem, os coqueiros ainda estarão verdes.

Guilherme

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Estouvado

Plane com a força voraz de um falcão peregrino no rasante contra sua presa fadada a amargura. Engula seco o gosto amargo da penumbra que acolhe o seu espírito vil numa noite aturdida de agosto. Chora tuas mágoas e escorra o ódio pelas maçãs rosadas que acolhem os lábios tesos e inchados de tanto marcar passo nas bocas desgraçadas de mulheres desalmadas que se vendem por quinquilharias a beira da esquina. Escuta o silêncio sepulcral da tua alma fútil e leva contigo essa ignorância cultivada por anos, enriquecendo a bagagem franzina de enlatados consumidos a metros por segundo. Alivia a fadiga constante do teu cérebro infame e vai te embora. Vai, pô. Corre para longe. Some daqui, imundice.


Fabio

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Poema esquecido

Bá, só lembrei da postagem quando já estava em solo alagoano. Atualizo um dia depois do combinado, num computador mais barulhento que o centro de Porto Alegre.

Furta cor

De tanto olhar pra ela
Desbotei a cor de sua pele

Corri, diligente, a um canto do quarto
E troquei a luz da lâmpada pelo sol da janela

Guilherme

Atualização

* Por motivo de viagem, o Guilherme não conseguiu atualizar o blog no último Domingo. Para não esculhembar a coisa, segue abaixo um poema do Neruda - o qual ele é fã - para dar prosseguimento nas postagens.

Tisserand





Esperemos


Há outros dias que não têm chegado ainda,
que estão fazendo-se
como o pão ou as cadeiras ou o produto
das farmácias ou das oficinas
- há fábricas de dias que virão -
existem artesãos da alma
que levantam e pesam e preparam
certos dias amargos ou preciosos
que de repente chegam à porta
para premiar-nos
com uma laranja
ou assassinar-nos de imediato.

Pablo Neruda

quarta-feira, dezembro 05, 2007

The Nose - Parte II

* Para quem não leu, aqui vai a parte 1.


Entrou no bar que costumava ir com amigos, curvou a cabeça para baixo, cumprimentou o garçom, acomodou-se no local de sempre, e tomando uma ceva aguardava a chegada de um conhecido, o que não era difícil de acontecer numa sexta. Pouco antes de a sobriedade o abandonar de vez, teve tempo de perder-se pelas curvas de Roberta, até então, desconhecida. Devia ter pouco mais de vinte e um anos. Cabelos loiros, lisos, abaixo dos ombros, peitos médios – provavelmente rosados -, barriga definida, coxas longilíneas, porém enrijecidas e o bumbum pequenino e arredondado. Macio. Mas o que o encantava era a falta de maquiagem. Era gostosa sem precisar de retoques. Vestia uma blusa branca, de algodão, com sutiã de enchimento, e uma calça azul coladinha, modelando artisticamente a bunda. Nose ficaria vidrado por minutos no corpo da moça, mas um livro anoso de capa envelhecida e folhas amareladas, descansando sobre a mesa o distraiu. Era a mulher da vida dele. Tinha que puxar um assunto. Cambaleante, foi.

E aí? Oi. E esse livrinho aí? Dostoievski, gosta? Até acho bonzinho, o Raskolnikov era engraçado. Posso sentar? Pode. Vô busca minha ceva. Pega um copo pra mim. Voltou e o papo fluiu com a mesma elegância e sintonia da correnteza que acompanha as ondas até as areias fofas da praia, unindo mesmos gostos, hábitos, e, lá pela quinta garrafa, desconfiava que a parada estava ganha. Só tinha um problema: Roberta não tirava os olhos do nariz dele, e isso o aborrecia. Pode falar. Falar o quê? Do meu nariz, chama de ladrão de oxigênio, não me importo. Posso te contar um segredo? Pode. Sou tarada por nariz, adorei o teu. Arrojado. O quê? Antes do rosto de Nose corar, as duas línguas trocavam carícias íntimas, que só terminariam na desarrumada cama do rapaz.

Ao colocar o celtinha na garagem, Rafael deu um raspão na parede lateral, e o barulho motivou o pai a levantar da cama e discorrer uma mijada no bebum. Vestindo somente a parte de baixo do pijama, já preparando o discurso, o velho abriu a porta furioso, entretanto, percebeu que o filho estava acompanhado. Seu lado machista falou mais alto. Recuou, e voltou a dormir.

O casal aos amassos chegou ao quarto de Rafael, que, afoitamente foi tirando calça de Roberta. Lascivamente beijava os pelos loiros das coxas trêmulas da moça, arrancando gemidinhos. Tirou a blusa e o sutiã ao mesmo tempo, e enlouqueceu com os mamilos rijos da moça, que ensandecida ciciou: tira minha calcinha e coloca ele. Logo! Nem percebeu as borboletinhas no detalhe da lingerie, retirando-a de uma vez. Quando alinhava em posição de ataque, recebeu a negativa. Ele não, o possante! Quê? O nariz, coloca lá, agora. Hã? Vai logo, porra. Foi. Hmmmm. Pela primeira vez, Nose conseguiria dar prazer a uma mulher. Após, ela retribuiu recebendo-o em diversas posições, mas não chegaria mais ao clímax naquela noite. Ele sim. Várias vezes. Vinte pras quatro, Roberta anunciou que não dormiria ali e precisava uma carona até Ipanema. Tranqüilo, meu chefe mora lá. Conheço aquelas bandas. Dadas as coordenadas, em vinte e cinco minutos estava em frente a casa do Valdir. Nose engoliu seco, deu um beijo de boa noite e foi embora. Não conseguiu comer nada no findi. Bebeu todas.

Nunca esteve tão eufórico com a chegada de uma nova semana. Às quinze pras sete estava de pé. Executava o trabalho com os pensamentos flanando, esperando o momento da apoteose. “Nose, te mexe rapá. Parece uma lesma”, ironizou Valdir. Olhando fixamente nas pupilas do comerciante, coçou o nariz com o pai-de-todos em riste e saiu cantarolando Chico Buarque, dedicando a música para as jarras que repousavam inertes e solitárias, tendo a certeza que seriam as últimas palavras proferidas na empresa. Aumentou o tom de voz e prosseguiu: “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”.


Fabio

domingo, dezembro 02, 2007

A farda

A desordem libertária pode usar uniforme e o ordenamento que a poucos privilegia facilmente se traveste de colorido espontâneo. Basta apurar o olho e cuidar o que ocorre em Caracas nos últimos dias.

A farda não condena ao cabresto
não castra o rosto
não amarra as mãos
não engessa os pés
nem amordaça a boca

O colorido espontâneo não instaura a democracia
não veste a liberdade
não alimenta estômagos
não alfabetiza iletrados

(resta, para ele, acolher inimigos sob uma mesma e temporária carapuça)

Guilherme