terça-feira, novembro 28, 2006

A volta

Atei os astros com meus olhos fujões. Caminhei solitário pelo campo. Nessa brisa despreocupada e consoladora do fim-de-tarde. Aquela estrela que me vigia e anuncia a noite iminente, me denuncia também. Me dilacera com suas pontas iluminadas e cortantes. Corro para alcançar os últimos raios de sol. Meus passos atiçam a poeira que descansava na estrada de saibro pedregoso, e seguem alertas no encalço do chão amarelo. Aumento a velocidade, meu pulmão começa a render-se, exijo mais dele, o sol se recolhe rapidamente e parece fingir esperar-me; e quando estou prestes a tocá-lo, nega-me sua luz.

Desisto. Diminuo o passo aos poucos. O coração começa a espaçar as batidas. Refestelo-me na grama. Mesmo que a coceira comece a aporrinhar-me, cochilo ali mesmo: no colchão verde e úmido. Observado apenas pelo céu negro alumiado de estrelas. Elas testemunham o meu ressonar. Elas silenciam ante a minha exaustão.

Acordo já revigorado. As estrelas ainda estão lá. Conto algumas delas e decoro a posição de outras. Ouço a melodia composta por corujas, mosquitos, terneiros, ovelhas e gansos. A orquestra do sítio em atividade. Eles não me deixam mais dormir. Logo outro dia amanhece. Fico acordado. Aguardo a chegada daqueles raios ardilosos. E a certeza de que eles descerão os milhões de quilômetros que nos separam, se esquivarão de algumas nuvens e acertarão em cheio minha face em alguns minutos me comove. Lavo o rosto no açude para recebe-los de cara limpa.

Desperto num sobressalto. Recolho as persianas brancas e deixo a luz da manhã entrar. O calor abrasivo abraçou o quarto do apartamento rapidamente. No calçadão, alguns caminhantes suados resfolegam satisfeitos. Essa urbanidade sufocante começa a me cansar.

Tomo um banho demorado e almoço logo depois. Chego até a sacada e acato a resolução inevitável: está na hora de voltar pro sítio.

Guilherme

quarta-feira, novembro 22, 2006

Conselhos Tecidos I

Não compre pílulas para emagrecer. Economize o dinheiro, corra até a locadora de vídeo mais próxima e retire o filme Réquiem para um sonho (Requiem for a dream), de Darren Aronofsky.

Guilherme

terça-feira, novembro 21, 2006

To toda mijada!!!

Na tarde de terça-feira, 7, pela primeira vez, fui para uma sessão de autógrafos para ficar do outro lado da mesinha. Era estranho. Justo na Feira do Livro de Poa. Feira que algumas vezes fui como repórter, entrevistar um monte de gente interessante – o último, se bem lembro, Voltaire Schilling -. O cúmulo da pretensão. Na viagem de ida vejo o forte albedo refletido sobre o Rio Guaíba, anunciando uma tarde de calor intenso. Mas lá estava eu. De casaco. – fardado de colorado, claro - camisa do Inter e cara deslavada. Estava pronto para dar três autógrafos e ir embora. O da minha noiva, o do Norberto e o do Lauro.
Para minha surpresa, a torcida colorada pedia autógrafos de todos os jogadores, e, respeitosamente, solicitava autógrafos de nós, torcedores. Era o auge.

- Qual o seu nome, por favor? – me deliciava.

Entretanto, a escolha das dedicatórias eram quase “mecânicas” – Um grande abraço colorado, ou um grande abraço Campeão da América. Mas em uma, tive que mudar. Uma senhora de cabelos brancos, camisa do Inter, bolsa vermelha (foto), e com uma simpatia sem tamanho, dirigiu-me a palavra.

- Tu não ta me conhecendo? – questionava a jovem senhora.

Comecei a ficar tímido. Putz. Pensava. Putz. Será se é uma amiga da minha falecida vó... Pensava, pensava e nada.

- Eu sou a vovó da MTV. Aquela do EU TO TODA MIJADA...

Claro. Veio a imagem na hora. A cena passada na MTV - reproduzida tbm no youtube - onde ela aparece junto de outros colorados no Morumbi, dizendo para a câmera a frase que a consagrou.

- O pior que era verdade, meu filho. A torcida do São Paulo não parava de nos jogar porcaria. Mas eu estava lá. Com o meu Inter.

Fiquei emocionado com a vovó. Tinha vontade de levantar e dar um abraço apertado. Que colorada. Ao ouvir falar sobre suas outras viagens que fez com o Inter, digo que estou muito honrado em estar conversando com a vovó do Beira-rio – como ela se auto-intitula.

“Para a vovó do Beira-rio.
Um grande abraço para essa vovó maravilhosa”.

Não sabia o que escrever. Acho que ela gostou. Recebeu com um sorriso acolhedor e seguiu conversando com os demais da mesa. Na foto, pode-se ver que a vovó do Beira foi o centro das atenções. Pelo menos, para mim...

Fabio

quinta-feira, novembro 09, 2006

Frustração

Queria sentir a umidade do asfalto lavado
cimentar na parede fresca e lisa do edifício
saltitar em cada sílaba pedregosa do paralelepípedo

Queria verter água como a fonte lamurienta
dobrar junto dos degraus da escadaria e dos sinos da igreja
abraçar com a mureta as ondas anãs e inquietas do rio

Queria derreter no gelo penetrado pela luz solar
e sólido, liquido e gasoso experimentar as vielas que desconheço
(para registrar também as dores e (dis)sabores desta aldeia)

Queria esquentar como a lã e desmaiar transfigurado no feltro de um lençol
amaciado em travesseiro e silenciado pela atmosfera inanimada das alcovas contíguas pela madrugada

Queria sentir a cidade pulsando em minhas veias, poros, fios de cabelo, pestanas, membros, sentidos e pêlos.

Guardaria comigo seu cheiro, sua cor e seus ruídos.


Guilherme

domingo, novembro 05, 2006

Lançamento...


Na próxima terça, 7, às 14hs, estarei presente no Memorial do RS, para participar do lançamento do livro Histórias Coloradas II – As 100 melhores histórias Campeãs da América.

Convido especialmente minha noiva, que sempre me apoiou; a todos meus amigos, familiares, conhecidos.. enfim... Para quem quiser trocar uma idéia e prestigiar o evento...



Fabinho

quarta-feira, novembro 01, 2006

um dia

Acordou com a preguiça que recendia ainda de seu sonho. Acordou, mas não abriu os olhos. O relógio martela sua mente e avisa que já está na hora de levantar. Afasta as cobertas, lençol-edredon-cobertor e se arrasta até o banheiro. Cinza, que dia mais cinza. O banheiro de paredes mofadas, a estufa estragada. Molha o rosto e se arrepia com o gelo da água fedorenta. Arranha-se ao tentar se secar com a toalha felpuda - e deixa a peça. A mãe prepara o café, meu filho. Ele pega a xícara da mão pontilhada de sinais e vincos. Sua mãe está envelhecendo. Ele não se importa muito. Cava pungentes buracos no açucareiro e adoça o café amargo. Bebe num gole.

Logo está na calçada. A caminho do trabalho. Modula as passadas numa lentidão que lhe garanta um atraso de meia-hora. Sempre faz isso. Desde que conseguiu esse emprego como boy. Não sabe se é para provocar o chefe e ser logo despedido e finalmente fazer tudo o que sonha e deixar de ganhar os duzentos-e-quareta-e-quatro-reais-e-quarenta-e-dois-centavos muito dignos que eu lhe pago todo o mês. Mas quando chega ao escritório é sempre a mesma coisa. O chefe olha sua entrada com ódio, desaprovação. Um olhar de hierarquia superior, de contador-de-merda-que-acha-que-é-rico. Ele reza para que seja mandado embora. O chefe caminha em sua direção com passadas destoantes, já que é cocho, e diz que a vida pode não dar duas chances a uma mesma pessoa, por isso aproveite bem. Ele fica quieto. Por dentro explode feito vulcão. Mas sua face apenas assente ao conselho. Respira fundo e lembra que existem coisas boas no escritório.

Há Sofia. Ela e seu sorriso melancólico que só ele presta atenção; ela e suas roupas coloridas de combinações ultrapassadas; ela e sua pele clara e seus olhos negros. Só ele sabe que ela gosta de estalar todos os dedos das duas mãos de uma só vez, por isso as juntas grossas. Só ele sabe que ela pisca os olhos três vezes quando boceja. Talvez devesse contar isso pra ela, pensa. Logo desiste.

Falta pouco para o intervalo de almoço. Desce a escada do prédio e palmilha alguns metros da calçada quadriculada para pedir um cachorro-quente-com-salsicha-molho-batata-palha-ketchup-maionese-milho-e-só-isso-tio. Mastiga tudo no seco. Está poupando dinheiro para comprar um violão. Ele toca violão. Quando pode. Mas o instrumento que possui está velho, a madeira gasta, as cordas enferrujadas. Quer um violão pra tocar Los Hermanos, tocar Caetano Veloso, Chico Buarque. Não essas merdas que pululam nas rádios. Tudo pago, eu sei, fala consigo. Para estranhamento do tio do cachorro quente, que vira a cabeça e faz que não escuta.

Volta ao trabalho e recebe um envelope. Leva no banco e deposita pra mim, ordena o chefe. Leva-no-banco-e-deposita-pra-mim. É um filho da puta mesmo. Deve ser a conta da mulher dele. Ela é jeitosa. Tem seus quarenta anos, mas ainda mantém os traços do rosto impecáveis e o corpo em forma – de linhas conservadas e dignas. E casada com esse cocho. Vida injusta, sussurra. Vá entender?!

Deposita. Caminha. Trota. E quase corre para pegar o escritório aberto e não deixar pra receber só na segunda-feira, porque precisa ajudar lá em casa. Quando alcança a rua onde trabalha avista ainda da esquina a porta de ferro resguardada pela corrente grossa. Lamenta que ainda sejam cinco e cinqüenta e sete. Tô fudido!

No caminho de volta para casa modula as passadas numa lentidão que lhe garanta um atraso de meia-hora. Sempre faz isso. Principalmente quando promete pra mãe que antes do sol deitar atrás daqueles montes e antes de sua novela das seis começar, vou chegar com o rancho do mês. Não quer mais chegar. Senta no banco de uma praça qualquer. Pensa em Sofia e nos seus encantos platônicos. Pensa no chefe, aquele filho da puta explorador de merda. Pensa na mãe; e na decepção que vai causar quando chegar em casa amortecendo o passo para não acordá-la.

Guilherme