terça-feira, março 18, 2008

O homem

O homem nunca afrouxava a gravata, exibia as canelas ou rebelava os cabelos.

Não. O homem era sóbrio. Tão sóbrio quanto desconhecidos que compartilham o elevador.

O homem palmilhava passos precisos. Cinco até o banheiro; quinze no retorno ao quarto e até a cozinha; outros dez até o carro. Evitava algarismos quebrados. Tal qual um antigo boletim escolar. Alongava o passo para prescindir deles.

O homem não sorria. Um leve esgar era suficiente para as situações mais engraçadas. O sorriso deforma o rosto, caçoa da seriedade, dizia.

O homem não desperdiçava carícias domésticas. Beijos comedidos na mulher, olhares autoritários porém carinhosos aos filhos. O homem respirava com o consentimento da gravata.

Até o dia em que cruzou com um cartaz curioso e instigante, quando estava a caminho de um cliente: “A loucura habita seres inesperados, como a beleza, pode se disfarçar em trajes sérios”.

O homem nunca mais foi o mesmo. Dispensava a higiene exagerada que o acompanhara antes: repetia roupas, cuja preferência destinava às mais confortáveis; e o mais grave: atrasava compromissos. Tudo para passar todos os dias na parada onde lera a frase anônima e, onde, a cada tarde, ruminava novos ensinamentos daquela ordem.

Embora mais dócil em casa, as mudanças não deixaram de assustar a esposa. Estava gerando comentários, as pessoas são malvadas, homem. Tu tem uma reputação a zelar.

O homem não ouvia. O homem sorria. Mas não era um riso qualquer. Era um riso lúcido, riso solitário, riso de lamento. O homem trocaria aquele riso por um choro eterno e copioso caso fosse compreendido por uma única pessoa. Mas não era. Jamais seria. E tinha plena consciência disso.

E isso conduziu ao inevitável: a saída de casa. Àquela altura já dispensara as roupas – andava nu pela cidade -, deixara o emprego, alimentava-se somente de água e loucura. O riso intermitente a provocar. A voz embriagada a repetir os provérbios dos cartazes.

Caminhou para longe de casa ouvindo o choro dos filhos. Não levou nada consigo além desse som triste. Há quem diga que habita um quarto imundo do São Pedro. Há quem diga que é cultuado por outros desajustados num acampamento embrenhado nas montanhas que se avista do litoral norte gaúcho. Prefiro acreditar que ele anda entre nós. Disfarçado de mendigo. Usando farrapos como roupa, juntando papelão e latas e repetindo como se fosse louco, fingindo ser o louco que é, os ensinamentos dos cartazes para pedestres distraídos e despreparados.

Guilherme

6 Comentários:

Blogger Guilherme Lessa Bica disse...

o louco do chapeu azul...


enfim, um conto...

afude..

2:35 PM  
Anonymous Anônimo disse...

O homem é um ser estranho, ora bondoso, outrora egoísta..

Pois é, não atualizei mais, to um pouco confusa essas últimas semanas, mas se der, hoje mesmo posto alguma coisa...
Espero vocês lá!!
Beijos

11:37 AM  
Anonymous Anônimo disse...

Muito bom o conto...

Como diz o nobre Tom Zé: Quem é o louco?...

Abraços...

Pedro...

4:21 PM  
Blogger "" Kinha "" disse...

Louco ...
somos tdos, normal a essa altura, não conheço ninguém!!!

Homens
bons ou ruins
com chapeis azuis ou de outra cor qualquer
ruim com eles, pior sem hehe
bjo

12:08 AM  
Blogger Leandro Luz disse...

Loucura!!!

Muito bom cara

Abraço

11:07 AM  
Blogger Leandro Luz disse...

Bem, eu posso cobrar atualização, portanto... ATUALIZEM!!!!

Abraços

10:43 AM  

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