sábado, dezembro 23, 2006

Eles sobrevivem ao tempo (e ao mercado) III

Driblando o abismo da extinção

O mesmo Senac que capacitou o barbeiro Lorival na década de 60 continua lançando milhares de profissionais no mercado de trabalho todos os anos. Entre faculdades, cursos livres e cursos técnicos. Esses últimos ilustram a transformação sofrida nos quatro decênios que passaram. Aqueles de cunho artesanal, como a barbearia, foram suprimidos por aulas de informática, turismo, comércio exterior, enfermagem, entre outros.

Para os trabalhadores não letrados, resta a criatividade para perenizar a atividade. Os engraxates do centro de Porto Alegre são exemplos disso. Há 12 anos uma associação foi criada para defender os direitos daqueles que sobrevivem da digna servilidade de lustrar o sapato alheio. Os 47 associados já conseguiram vitórias robustas desde então. Cada um labuta hoje em dia com o ponto definido – espalhados pela Praça da Alfândega e as avenidas Otávio Rocha e Borges de Medeiros –, sob uma armação azul que comporta a cadeira para o cliente, um espaço para reservar o material de trabalho e um teto providencial para os dias mais cinzas e chuvosos.

Paulo Lopes, 63 anos, é o secretário da entidade. Há 18 anos vivendo da graxa, ele comemora as conquistas da categoria. Até ser determinado o local onde cada engraxate deveria atuar, Santos conta que vagava pela Praça da Alfândega em busca de clientes. Foi numa dessas buscas que arranjou um entrevero dos brabos.

Logo que terminou um serviço, enquanto organizava seu material, viu o cliente ser assaltado sob seus olhos. Esperou alguns dias até reencontrar o autor do roubo. Ao reparar que ele caminhava despreocupado pela praça, Santos sacou o taco de madeira escondido entre seus pertences e desferiu algumas pancadas. Incomodou-se com a namorada do agredido, mas limpou a consciência.

- Dei três cacetadas no lombo dele. Mas ele não aprendeu. Voltou para assaltar no dia seguinte e pechou com um policial – relata concentrado o negro corpulento de cavanhaque, que não aparenta já ter ultrapassado os 60 anos. E acrescenta: “O malandro levou um tiro no joelho e ficou aleijado. Vagou por uns tempos por aqui e desapareceu de vez”.

Essa história retrata a obsessão de Santos com a satisfação do cliente. Seja advogado, médico, bancário ou de ocupação mais humilde. “Credibilidade. Isso é tudo no meu emprego. É preciso respeitar para ser respeitado”, afiança. Mas o senhor consegue sobreviver com a renda que tira aqui? Ele sorri com o canto dos lábios, gesticula com as mãos para o interlocutor se aproximar e fala como se segredasse algo:

- Esse é o melhor serviço da minha vida. Garanto uma grana boa e ainda posso bater papo enquanto trabalho. É o melhor serviço do mundo – sussurra o ex-caminhoneiro que hoje lucra R$ 50 diários na arte de fazer brilhar calçados.

Guilherme

4 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

mto bom o blog e os textos.. abraço

2:48 PM  
Anonymous Anônimo disse...

bala a matéria!
...o cara fica sem lê o blog por algumas semanas e vcs postam td q dah, VSF. Concerteza foi o mês em q vcs mais postaram textos, tds de ótima qalidade por sinal.

Abraço, feliz natal e ano novo!

Pitt

10:11 AM  
Anonymous Anônimo disse...

Dah uma grana boa...

Tu escolheu a profissao errada...

ahuauhuahahua

12:21 PM  
Blogger Leandro Luz disse...

Muito boa a série. Lembro que teve um semestre que a revista Primeira Impressao, do projeto experimental em jornalismo gráfico da Unisinos teve como tema algo relacionado a profissoes. Além das que tu elencou no texto, tonha umas raras, como a dum cara que faz retrato falado. Parabéns, muito bom mesmo!

2:32 PM  

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