sábado, dezembro 23, 2006

Eles sobrevivem ao tempo (e ao mercado) II

O viaduto do tempo

O viaduto Otávio Rocha, na avenida Borges de Medeiros, em Porto Alegre, pode ser apreciado como uma ode às décadas passadas. Numa rápida caminhada sob seus desbotados pilares chega-se a essa conclusão. Afora as pichações de frases como “O imperialismo é um tigre de papel” ou “Viva a heróica resistência iraquiana”, que reportam o passante para os dias atuais, o local é habitado, sobretudo, por relojoeiros grisalhos, comerciantes de lojas de vinis tão antigos quanto a mercadoria com a qual trabalham e, volta e meia, por um mendigo cocho de dorso nu que cantarola sucessos antigos de Roberto Carlos, com a voz arranhada pelo álcool, atrás de algumas moedas.

Mas um rosto jovem destoa dos demais. Seu dono é Jader Pontes, 36 anos. Proprietário de uma sapataria de nome curioso e pouco criativo: Sapataria. Em busca de uma renda maior, aprendeu o ofício com o sogro há oito anos. De cabelos ainda pretos, com raros fios brancos nas têmporas, longilíneo e de fala pausada e baixa, Pontes enumera os predicados indispensáveis para um bom sapateiro. “É necessária muita paciência. Preciso parar e pensar bastante antes de começar o trabalho”.

Entre lixadeiras, máquina de costura, facas, colas - todos materiais utilizados no trabalho - e centenas de pares de calçado que abarrotam o pequeno espaço comercial de sua posse, Pontes garante que a única característica que não compõe seu dia-a-dia é a rotina.

- O serviço nunca é igual. É só olhar os pés das pessoas. Cada um carrega algo diferente. Não é como trocar um pneu de carro – diz o sapateiro, debruçado no balcão de atendimento e acompanhado por uma plaqueta branca com letras negras pregada na parede ao seu lado, de mensagem clara e direta: serviço com 50% de sinal.

Guilherme

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