sexta-feira, dezembro 15, 2006

Eles sobrevivem ao tempo (e ao mercado)

A matéria publicada abaixo foi feita para o estágio de aprofundamento de texto da Famecos. Por ser mais elaborada e de maior fôlego, vou postá-la em quatro partes; mesmo correndo o risco de perder o sentido. Já que é muito chato ler textos longos no monitor.

Eles são sobreviventes. Num mercado de trabalho cada vez mais dependente de tecnologia apurada, informática e robotização, contribuem para engrossar a parcela que fica a margem das máquinas modernas. Conjugam em suas rotinas verbos revestidos de passado e nostalgia: coser uma roupa, assear a barba, pregar um botão, engraxar um calçado, parir um rebento. E, apesar de não ocuparem espaço nos grandes centros comerciais, ainda resistem ao processo natural de extinção pelo qual passam profissões de tempos em tempos. Em cidades de menor porte, no interior do Estado, ou mesmo no centro de Porto Alegre, a paisagem relega um modesto quinhão a barbeiros, sapateiros, alfaiates, parteiras, engraxates e outros trabalhadores munidos de ferramentas igualmente raras: navalha, dedal, fita métrica, esquadro; e o principal: uma dose cavalar de paixão pelo labor há tanto aprendido.

O alfaiate José Nunes carrega consigo há quase 40 anos essa marca. Natural de Araranguá, Santa Catarina, na adolescência foi iniciado no manejo das vestes. A família pegara a estrada rumo ao sul em busca de melhores ares, e alojara-se numa área rural, próxima a Guaíba - cidade a 30 quilômetros da capital gaúcha. Como o irmão mais velho, Guilherme, começara a trabalhar de alfaiate na nova terra, Nunes herdou dele a prática.

- É uma profissão passada de pai pra filho. Como eram os dentistas antigamente. Os pais ensinavam aos filhos. Como eu tive um irmão mais velho alfaiate, e ele precisava de um auxiliar, me trouxe do interior para aprender – relembra o senhor de cabelos brancos e pequenos vincos que ladeiam os olhos escondidos pelos óculos.

Mirando a rua e sempre desviando o olhar do interlocutor, Nunes rememora o primeiro emprego numa alfaiataria e lavanderia, a Cisne Branco. Sob a as ordens do Seu Vasco, o dono, pregou os primeiros botões e consertou as primeiras peças de roupa. Inicialmente, apenas calças. Com alguma saudade, fala dos enganos cometidos, condição imposta pelo tempo para aprender a função. “Em qualquer profissão a prática faz o conhecimento. É como um motorista que das primeiras vezes sai barbereando. Hoje, chega um cliente aqui e já sei mais ou menos a roupa que cabe naquele corpo”, assegura. E complementa, segurando o riso: “Errei, barbaridade. Na época em que eu comecei era bem diferente. A calça tinha que ficar bem justa, junto da perna. Certinha no corpo”.

De vocabulário híbrido – repleto de expressões tradicionais da terra de Bento Gonçalves, mas com um resquício visível de sotaque catarinense - ele calcula que já tenha atendido mais de 13 mil pessoas na Alfaiataria Nunes - desde 1984, quando passou a trabalhar com o conjunto completo: paletó e calça. O número não diz respeito somente a vendas. Estão contabilizados também aluguéis de ternos e adereços individuais, como gravatas, sapatos e cintos.

A menos de um quilômetro dali, um senhor de 60 anos brande a navalha pacificamente todos dias para apanhar o ganha-pão. Lorival Paz há 38 anos atua como barbeiro. Desempregado quando chegava à idade adulta, procurou guarida profissional em um curso oferecido pelo Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), em Porto Alegre. Foi lá que o seu instrutor sugeriu o nome que até hoje ilustra a placa que identifica e denomina a sala de trabalho: Salão Fígaro. Inspirado na ópera O Barbeiro de Sevilha, que celebrizou o colega de função reconhecido mundialmente.

Na sala de tamanho reduzido, cerca de 12 metros quadrados, Lori – apelido cunhado pelos mais chegados – construiu uma extensão de sua casa. Além da cadeira tradicional de barbeiro, há uma geladeira e dois confortáveis sofás. Espalhados pelas paredes, quadros com as grandes equipes da história do Internacional, time do coração. Esse ambiente transforma o salão num catalisador de amigos, segundo conta: “Muitas vezes os clientes me procuram apenas para conversar, pedir conselhos”.

Do local onde passou um terço das últimas quatro décadas, ele conseguiu prover o sustento da família e adquirir o patrimônio do qual tanto se orgulha. Casa própria, automóvel e a faculdade de Direito da filha Loriane. Tudo conquistado com a média de 250 clientes mensais, conforme contabilidade sua. E o segredo para a longevidade profissional é tão simples quanto umedecer um rosto com espuma de barbear:

- Respeitar o cliente. Entender o gosto dele. Muitas vezes não é aquilo como a gente quer. Têm clientes que tu sabes que está fazendo um serviço que não é o melhor, mas é a exigência dele – ensina. E completa, comentando o caso do dono de um ferro-velho de sua cidade, já falecido. Seu Ariovaldo fazia questão de aparar o cabelo como se fosse nos moldes de um penico, como um índio. O que lhe valia o pejorativo apelido de Juruna. Ele não ligava nem um pouco. E Lori sempre assentiu ao desejo do cliente. - Se tu quiser sugerir um serviço a teu gosto, tu podes até perder o cliente – adverte.

Guilherme

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Vocabulario hibrido e pra mata o boneco.....



auhauauhauaa

Foda que o Lori ainda nao leu.....

9:03 PM  

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial