quinta-feira, julho 13, 2006


A noite de um Revolucionário Pós-moderno



Estava decidido. Se naquele dia eclodisse uma revolução, certamente, estaria entre os líderes. Terminava de colocar minha vestimenta de pai de santo, e me sentia poderoso. Como minha alma gêmea estava se fantasiando de bruxa, me considerava quase imbatível. Com tantas injustiças e desigualdades, fui despertar meu ímpeto revolucionário em uma Festa à Fantasia. Vai entender.
Passava das 21h e eu, sozinho, a caráter, esperava minha bruxa. Sentado no sofá, começo a imaginar se realmente uma força do além resolvesse “baixar o santo” em mim. Me preocupei. Resolvi dar mais atenção ao meu espírito revolucionário, antes que qualquer outro espírito viesse prender minha atenção. Recordei dos livros que li, filmes assistidos, até que, todos estavam prontos. Próxima parada: Concentração. Ao rumar para o local, dentro do carro, me imaginei indo para uma das temidas reuniões do Partidão. Feitas as escondidas, com tudo o que é tipo de gente, no entanto, com o mesmo ideal. Na concentração, teria com certeza a mesma diversidade. A única diferença seria nosso ideal.

Chegando no local, deparo-me com uma grande fauna. Desde pessoas apolitizadas, até a elite intelectual com simpatia ao Marxismo. Nos primeiros instantes, fico perdido. Por sorte, os anfitriões estavam munidos de uma poderosa ferramenta que rapidamente deixava-nos em sintonia. E o melhor, não era Kaiser. Até não pelo sabor, aquela altura já não faria muita diferença. Mas sim, por lembrar do fuhrer, de suas boas relações com o Governo de Vargas, com o combate ao comunismo... Decididamente, se fosse Kaiser, iria para o Quentão.
Abraço a minha bruxa veterana. Penso que em breve se formará em história e me encho de orgulho. “Um grande revolucionário precisa de muito amor no coração”. Estava no caminho certo. O charuto de pai de santo, para mim, simbolizava a presença de um signo da Revolução Cubana. Esperava ansiosamente o momento de convocar os companheiros para um discurso inflamado contra o regime, citando grandes lideranças da esquerda, até que, penso em uma frase de Mao e grito... ÚH É CABARÉ GERAL!!! ÚH É CABARÉ GERAL!!! Mudei o discurso. Certamente, seria estereotipado de maluco.

Antes do deslocamento, pausa para fotos. Uma demonstração explícita das disparidades entre a Burguesia e o Proletariado. Cowboys americanos exibiam seu poderio tecnológico, dominando massivamente os presentes, enquanto todo o romantismo de ter que esperar por uma revelação, simplesmente era deixado em segundo plano. “Eu quero ir pra festa...” incansavelmente pedia uma black Power alcoolizada que estava sob os cuidados da Polícia Yanke. Por insistência, acabou atendida.

Quase cinco mil pessoas. Após trocar de emprego, era a primeira vez que entrava no Clube sem responsabilidades. Sentia-me leve. Encontramos pessoas de todos os estilos. Revolucionários, nenhum. Entre um gole e outro (agora de Kaiser), percebo uma inquietação por parte das meninas. Demoro a entender, mas ao olhar para cima, tive a certeza. Era um ataque aéreo. Militantes proletários invadiam pelo telhado a Festa Burguesa. Sorri. Entretanto, vejo o olhar negativo das pessoas ao meu redor e repenso. Não eram verdadeiros revolucionários. Ernesto dizia que primeiro vem à revolução, o assalto a banco é uma conseqüência, e não o contrário, pois se não, acabamos virando apenas assaltantes de bancos. Creio que eles inverteram a ordem.
Passava o tempo. Klaus e Vanessa, Ph7 e Ultramen. Assistíamos alguns shows e dançávamos muito. Naquele momento, a esquerda era apenas a mão que segurava o charuto. Havia desistido de triunfar. Até “passe” para conseguir ficante para outra pessoa lembro que dei. Não funcionou, claro.

Resolvemos fazer uma pausa para o cachorro quente. Deixo minha bruxinha sentada com uma amiga e sigo em direção a fila. Galgo com dificuldade os degraus e me junto a umas 30 pessoas perfiladas. Devido à demora, comecei com os protestos. Para minha surpresa, companheiros abraçaram a causa. Éramos em cinco. Gritava vamo lá cachorroô!! E ouvia “vamo lá”, “isso aí”, me sentia em um palanque. VIVA A ESQUERDA!!! (silêncio). Compreendi que o momento era dos cachorros mesmo.

Porém, com a crescente do movimento subversivo, veio à repressão. Militares nos demonstravam desprezo. Podia ver nos olhos do brigadiano a mesma soberba da polícia de Filinto Muller. Só de raiva, aumentei os protestos. Com extrema arrogância e prepotência, um deles me ameaçou. Assim como na Ditadura, conseguiu calar quase todos. Pensei em ficar quieto, mas uma frase do Mao martelava minha cabeça dizendo que quando se tem algo para falar, não se deve ficar calado. Disse ao opressor que o tempo de Filinto já tinha se passado. Apesar de não entender absolutamente nada, ficou enraivecido. Quando percebi que começava a ficar com problemas, perguntei o seu nome, também em tom de ameaça. Imaginava o pior. Mas, felizmente, o outro brigadiano era da turma do deixa disso. Um pouco mais seguro, questionei a implicância pessoal, pois tinha subversivos mais exaltados e nada acontecia. Fui chamado de chato. Quase voei no pescoço daquele pérfido policial. Contive-me apenas de querer mata-lo com o olhar.

Até ser atendido, passou uns cinco minutos. Tempo que fiquei em silêncio analisando a ineficácia da BM, a ignorância de um profissional que, ao invés de trabalhar, fica abusando de autoridade sobre um vagabundo (visão dele). A conclusão que chego é que o meu potencial está sendo usado de forma equivocada. Não sou um revolucionário de cachorro quente. Tsc.

Finalmente apareço com os quatro cachorros e distribuo para minha noiva e cunhados. Mesmo mastigando rapidamente, a raiva acaba voltando a tona. E se ele também estivesse furioso? Envenenamento não é usado costumeiramente pela BM, tudo bem, mas rogar praga tranqüilamente poderia acontecer... Engolia cada vez mais devagar. Olho para o lado e vejo meu cunhado fazendo feições estranhas dizendo que teria de ir para casa. É. Dor de barriga. O maldito brigadiano rogou uma praga para mim, mas acabou errando o alvo. Acho que esqueceu da fantasia que vestia. E que o meu santo é forte.


Fabio

4 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Viva la revolución!!! \o/\o/\o/

"Podemos observar que o autor relaciona as diversas insurreições que a história comporta e, de forma inteligente, traduz seus conceitos para o nosso cotidiano".

G.J.

Ele mandou o recado por mim. Tsc.

Agora chega de nos mandarmos recados.

11:20 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Muito bom!

4:57 PM  
Blogger Leandro Luz disse...

Ae cara, parabens, tava na hora d fazer um blog...mas hj nao to mto inspirado pra fazer um gde comentario, mas sabe q sou meio conservador em certos pontos...o debate vai ser bom!!! Abraços!!!

5:57 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Oie o texto é muito bom.Fábio tu tens "jeito pra coisa".A relação da história com o nosso cotidiano foi sensacional!E com um humor inteligente e irônico ficou ótimo.Adorei!Bjos

12:43 AM  

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